A redação.

"Minha redação foi devolvida com uma porção de retoques em vermelho.

O engraçado é que, antes, eu tinha mostrado à professora de Literatura e ela achou muito legal, mas a de Português me ferrou geral.

Me matei escrevendo o que queria, da forma que me parecia mais conveniente, sabe? ...como se eu estivesse falando... Contava, por viver longe da minha cidade natal, da falta que sentia da família, dos amigos e da festa que ia ser a minha volta.

Tem uma parte que achei super e que diz assim: “... quero estar com a gente que me tem saudades...”.

...Me tem saudades...

O que uma achou poético, a outra fez a cruz e ainda por cima, corrigiu: '... gostaria de estar com as pessoas que sentem saudades de mim...'. Não satisfeita, ela se deu ao trabalho de reescrever toda a redação pra me mostrar a forma correta de expressar o que EU estava sentindo!

Notei, enquanto me entregava o trabalho, o risinho cínico e que, na testa dela, piscava assim tipo um holofote ‘te pegueiê... te pegueiê...’. Pensando melhor, possivelmente era ‘atrapei-te... atrapei-te’...

Na minha cabeça passou de tudo! Eu, voltando pra minha carteira com meu diploma de burro na mão, arrasadésimo por não ter meu trabalho entendido por uma professora... De repente, uma voz reveladora se fez ouvir na sala: ‘Olha, pessoal, o resto das redação eu só vou entregar amanhã. Não deu tempo pra ver tudo, tá?...”.

Caramba!!!! Com exceção do plural, ela falou do jeitinho que eu falo!!!!

Agora, como é possível uma pessoa que fala igual a mim, não entender o que eu escrevi? Teria sido por causa das figuras de linguagem, ou seria por ela não ser para nada poética?

Nesse momento, bem ao estilo "E o Vento Levou", decidi uma coisa: ninguém, nunca, jamais dirigirá minha forma de expressão! Ah..., mas não vai mesmo! E menos você! Sei das consequências disso. Porém, mais que ela, sei usar a roupa apropriada para cada ocasião. Sei como chegar a, mas se quiser chego em. Se quiser, também sei ir no cinema com meus amigos. O meu 'mim' faz coisas livremente junto a outros 'mins' (sem que eu perceba, claro). Eu prefiro assistir o jogo com eles a ficar sentado aqui assistindo a sua aula - tu tá de acordo comigo? Lhe digo mais: pega 'as redação' e vai pra puta que a pariu!! ...com todas as nuances, todas as possibilidades e todos os significados que a semântica permita.

Quere-me janista? Fá-lo-ei melhor na próxima ocasião. Ver-te-ei confusa, então.

Sem tempo para o seu pseudo e fossilizado verbo. Meu léxico é mais generoso e, com ele, me sento a escutar os causos do campo ou a filosofar a inutilidade opressiva do SEU sobre o MEU.

Senhora minha, quando estejas sem todo este mofo a tapar-te os poros, chama-me. Conversá-lo-emos.

(Aliás, o verbo ferrar citado lá no início, no sentido de fuder a vida de alguém é transitivo direto. Quem ferra, ferra alguém. Exemplo: A professora de Português me ferrou (ferrou quem? eu)."

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